O exercício físico regular modifica a fisiologia humana, ainda bem!
Com o exercício físico nossas células do sistema imune apresentam alteração em sua quantidade e a variação hormonal é salutar e esperada.
Porém, quando o exercício se intensifica essas modificações na fisiologia podem ser prejudiciais para o atleta também. E no caso das mulheres, podem apresentar um conjunto de sinais e sintomas que convencionou-se chamar de "Tríade da mulher atleta", pois apresentam três situações específicas e interligadas, são elas:
Mas como o exercício pode desencadear isso?
.Amenorréia: As hipóteses mais fortes para explicar a razão do estabelecimento desta situação induzida pelo exercício são de que as endorfinas produzidas durante a atividade física e o treinamento diário mantendo esses níveis elevados possam inibir a produção do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH) pelo hipotálamo e, com isso, inibir todo o eixo hormonal feminino (hipotálamo-hipófise-ovário). A amenorréia hipotalâmica está associada a perda de densidade óssea. A outra hipótese, e provavelmente as duas coexistem, é de que as endorfinas diminuiriam a produção de dopamina no núcleo arqueado hipotalâmico. Sendo a dopamina um fator inibitório da prolactina (o hormônio que induz a produção de leite durante amamentação), esta teria seus níveis séricos aumentados, assim, ela seria também capaz de diminuir a produção de GnRH, gerando uma situação em que a mulher atleta não menstrua.
.Alterações ósseas: O mais preocupante, porém, é o aparecimento de osteopenia e osteoporose em atletas, que chega a ser três vezes mais frequente do que no restante da população, apesar de todo o exercício físico. A osteoporose pode afetar a densidade óssea inclusive dos ossos maxilares, e essa má absorção se reflete na fixação dos dentes, o que pode causar a perda deles.
O exercício físico atua no osso por efeito direto, via força mecânica, ou indireto, mediado por fatores hormonais.
O estrógeno e a progesterona atuam na remodelação óssea, porém por mecanismos ainda não totalmente elucidados. A presença de receptores para estrógeno em osteoblastos e osteócitos sugere efeito direto desse hormônio sobre o tecido ósseo. A atividade esportiva intensa pode conduzir à osteoporose, ao comprometimento da pulsação do hormônio gonadotrópico (GnRH) e à disfunção gonadal no indivíduo jovem.
Os .transtornos alimentares relacionados ao exercício podem se apresentar de diversas maneiras como restrição da ingestão, anorexia, bulimia, ortorexia e outras, e são desencadeados pela necessidade de manter um baixo peso corporal.
O termo anorexia atlética descreve o contínuo comportamento alimentar de atletas que não obedecem os critérios para um distúrbio alimentar verdadeiro, mas que exibem pelo menos um método doentio de controle ponderal; isso inclui jejum, indução de vômito, e uso de pílulas diuréticas, laxativas (que também prejudicam a absorção correta dos nutrientes).
As atletas de maior risco são aquelas que participam ou de esportes que valorizam isso, como ginástica, patinação artística, saltos ornamentais e dança, ou de modalidades de endurance, como corrida de longa distância e ciclismo. É fundamental um maior conhecimento dos achados e das consequências dessa tríade por parte de médicos, atletas, pais, técnicos, assessorias desportivas e, é claro, cirurgiões-dentistas, para uma prevenção precoce e um tratamento eficaz.
Ah, mas qual o problema dessa tríade se tem tanta gente procurando por ela? Eu te explico: ela é facilmente escondida pelas atletas. É frequentemente negada, não diagnosticada e subnotificada. Todos os sinais e sintomas podem passar despercebidos por um olhar não treinado para captá-los e quando a situação já estiver bem crítica, geralmente com fraturas ósseas, já temos um quadro de reversão mais complicada. Não é a toa que esta tríade é responsável pela morte de muitas atletas por ano no mundo.
Mas o cirurgião-dentista vem ganhando força no diagnóstico interdisciplinar deste quadro.
Como?
O dentista é um dos primeiros profissionais a identificar os transtornos alimentares devido ao surgimento de efeitos colaterais na boca, como o desgaste do esmalte do dente. Os relatos do paciente geralmente não se associam com clareza ao distúrbio alimentar em si, pois relatam dor, inchaço da glândula parótida, secura na boca (que também pode estar associado ao uso de medicamentos), indo mais além pode levar a dores musculares e de cabeça, pois o desgaste remove os pontos de contato adequados entre os dentes.
O quadro clínico da falta de saliva associado a episódios recorrentes de vômito permitem que se estabeleça uma perda de tecido mineral do dente, deixando o aspecto erosivo evidente.
E é aí que o aspecto chanfrado palatino é identificado. Como esse da foto ó:
Associado a esta situação está a escovação compulsiva e com força que os atletas fazem após o episódio, e que não contribui em nada para preservação da estrutura dentária, gerando abrasão.
É importante salientar que esta situação não ocorre apenas em atletas de alto nível competitivo, atingindo várias atletas adolescentes ao redor do planeta.
Também é importante encarar o aspecto psicológico da síndrome em si, uma vez que, muitas vezes ela é acompanhada de uma pressão interna e externa para se manter em padrões corporais específicos, diferentes das características naturais individuais.
O cirurgião-dentista não diagnostica a tríade da mulher atleta em si, mas contribui de maneira bastante significativa para a junção das peças deste quebra-cabeças. E é por isso que no esporte trabalhamos em equipe, pois esta é uma situação delicada e que exige muita atenção!
Beijo, e até semana que vem!
Clara Padilha